Recuperação da distribuição histórica do Lince ibérico (Lynx pardinus) em Espanha e Portugal. (LIFE10NAT/ES/570)
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Introdução à espécie
O lince ibérico (Lynx pardinus, Temmick, 1827) tem origem na linha evolutiva dos grandes carnívoros (tigres, leões, jaguares e leopardos) dos quais se separou há cerca de três ou quatro milhões de anos. Pela sua aparência física, de uma forma intuitiva frequentemente associa-se a qualquer das outras linhas de felinos existentes, o lince ibério está mais próximo de um tigre do que de um gato na sua escala de evolução.
Um Ancestral comum para as quatro espécies atuais de linces existentes
Investigadores situam atualmente a origem dos linces na América do Norte, onde há cerca de 3,2 milhões de anos se diferenciaram as primeiras espécies conhecidas do género Lynx: o lince vermelho (Linx rufus), que atualmente sobrevive na América do Norte, e o lince issiodorensis (Lynx issiodorensis), que se extinguiu no pleistoceno. Desta espécie já extinta, pensa-se que descendem as três espécies de lince restantes, que migraram para a Euroásia pelo estreito de Bering. Devido à divisão no sul da Europa durante as glaciações do Pleistoceno, surge o lince das cavernas (Lynx spalea), cujos restos ficaram depositados em caves. Esta espécie é o ancestral direto do lince ibérico (Lynx pardinus) e do lince euroasiático (Lynx lynx). Este lince europeu possuía um tamanho corporal superior à espécie ibérica e inferior à espécie euroasiática. As glaciações da Euroásia parecem ter um papel importante na especificação dos linces, e devido à fragmentação e isolamento surgem no Pleistoceno inferior o lince euroasiático (Lynx lynx) na Ásia e o lince canadiense (Lynx canadensis) na América. Constatando-se que as outras três espécies de lince se distribuem em amplas áreas do território, o lince ibérico distribui-se já na época mais antiga de forma exclusiva na Península Ibérica.
Não é de estranhar que estas quatro espécies tenham algumas caraterísticas comuns como o rabo curto, orelhas com pelos compridos na ponta (conhecidos como pincéis) e barbas. Sem dúvida, o tamanho corporal das quatro espécies resultou da adaptação de cada uma das espécies ao seu habitat e à sua dieta, variando desde o lince vermelho, o mais pequeno, que tem um peso médio de cerca de 6 kg até ao lince boreal, que pode chegar a pesar 30 kg.
Descrição da Fisionomia do lince ibérico
O lince ibérico é um carnívoro estrito de médio tamanho. O seu peso ronda os 12,5 kg. Existem diferenças significativas entre machos e fêmeas (com desvios em relação à média até 3 kg para cada sexo) sendo os machos maiores que as fêmeas. Possuem uma longitude média de 80 cm e uma altura média de 45 cm, apresentando um aspeto elegante.
As suas caraterísticas mais marcantes, conforme já descrito para a generalidade dos linces, são: pincéis, barbas e rabo curto com uma mancha negra apical. Além destas caraterísticas devem-se considerar as dos felinos: olhos frontais marcantes, que permitem precisão na medição de distâncias, própria de caçadores de curtas distâncias; grandes globos oculares que lhes permitem ver em condições de baixa luminosidade; orelhas peludas e triangulares, que protegem os ouvidos capazes de detetar o discreto caminhar dos coelhos; mãos desproporcionadamente grandes, úteis para agarrar com firmeza as presas e com unhas afiadas que impedem que as mesmas escapem (mantêm-se sempre afiadas para o alcance das presas). Chama a atenção a sua elevada garupa como consequência de largas patas traseiras que permitem dar saltos muito vantajosos durante a caça.
A sua dentição, é de um carnívoro estrito, com grandes caninos para matar com facilidade, molares para conseguir separar grandes bocados de carne e incisivos pequenos. A sua fórmula dentária é 3.1.2.1/3.1.2.1.
Em baixo, apresentam-se dados de medição do lince ibérico adulto, obtidos nas avaliações sanitárias efetuadas no âmbito do projeto Life (recolhidos em exemplares com mais de 3 anos de idade):
Por último, a tonalidade da sua pelagem, que lhe proporciona a capacidade de se misturar com as cores claras e escuras dos matorrais por onde habitualmente se move. As variedades da sua pele agrupam-se em “pinta grossa”, “intermédia” e “pinta fina”. Na verdade, a tendência para definir e delimitar todo o que se observa, não permite uma variada graduação entre os extremos que variam desde manchas grandes, que chegam a estar alinhados em forma de raios em alguns exemplares sobre fundo alaranjado, possuindo distintos tamanhos de mancha, até chegar a pelagens listadas, com pintas tão finas que passam quase despercebidas em peles pardas ou pardo-grisalho. Mesmo que todos os fenótipos estejam presentes, históricamente, em todas as populações, em Doñana a presença de exemplares de pinta grossa aparecem desde os anos 60 do século passado.
Sem dúvida, a maior variabilidade genética conservada na população da Serra Morena permitiam a presença atual de indivíduos com todos os tipos de pintas.
Lince Ibérico: Intimamente ligado à floresta mediterrânica e ao coelho
Este felino conhece-se um como especialista de habitat e de presa. O coelho é a presa fundamental e quase exclusiva deste carnívoro. A biologia dos coelhos, dependentes de zonas de refúgio e pastagens permite que quando os lagomorvos saem para se alimentar, o lince possa acercasse sem ser visto e ouvido e case a sua presa. As suas características dotam o lince de um perfeito desenho para mover-se sem ser visto entre a florestação típica da floresta mediterrânica, constituída proeminentemente por floresta nobre e em menor número por uma floresta baixa, que bordeia as zonas de pastagem. O desaparecimento de habitat bem conservado e o drástico decréscimo das populações do coelho, juntamente com a atuação direta do homem, colocou o lince no limite da extinção.
Indivíduos territoriais
Os linces adultos rejeitam territórios que podem solapar em grande parte com aéreas contiguas de adultos do sexo contrário e em menos escala com os do seu sexo. As áreas médias rondam os 600 hectares, mas conhecem-se territórios muito mais amplos circunscritos a espaços de baixa qualidade. O aumento de área ocorre por ocupação de um vago desaparecimento do animal dominante, por confrontos entre o dispersante e o regente que termina ganhando o seu espaço ou por colonização de zonas que melhoraram o seu habitat nos anos anteriores. As fêmeas podem reproduzir-se a partir dos dois anos, o que normalmente acontece com mais idade por não conseguirem ganhar o seu território antes.
Os linces entram em cio uma vez por ano, não sendo garantido que as fêmeas consigam criar os seus cachorros. É frequente que alguns jovens sub-adultos (principalmente fêmeas), da ninhada do ano anterior permaneçam e colaborem com a sua progenitora na criação da nova ninhada. Em algumas situações mãe e filha partilham o mesmo território durante anos, acabando por a mãe abandonar o território quando termina a idade reprodutora.
Os linces tendem a defender territórios com a menos área possível que lhes garanta alimento para subsistir. Assim, quanto maior qualidade tenha o habitat (quer dizer mais coelhos e floresta mediterrânica conservada existente) menos é o seu território, visto que encontram os recursos necessários em menos superfície.
Mortalidade natural da espécie
Mortalidade nas primeiras fases do desenvolvimento – Mortalidade perinatal
Todos os animais silvestres sofrem de mortalidade perinatal, quer dizer, durante a gestação e nos primeiros dias após o parto. No caso do lince ibérico, as causas reais das mortes perinatais são difíceis de determinar. Também é difícil saber quantas das fêmeas prenhas perdem os seus cachorros antes ou durante o parto, inclusive durante as primeiras semanas de vida. O programa de conservação ex-situ, essa a começar a obter dados neste sentido, mas deve-se ter em conta que as condições físicas das fêmeas em estado selvagem são diferentes das de cativeiro.
As ninhadas múltiplas de 3 e 4 indivíduos que se monotonizaram nas últimas décadas constatou-se existir uma alta percentagem de mortalidade, sobrevivendo apenas dois, verificando-se um pico de mortalidade no primeiro mês de vida e um segundo por volta dos três a quatro meses.Modelos preditivos elaborados por cientistas da EBD mediram o efeito de extrair indivíduos das ninhadas com mais de dois cachorros para iniciar o programa de criação em cativeiro, e o baixo impacto descrito, permitiu tomar a decisão de transferir alguns cachorros encontrados nestas circunstâncias. Sem dúvida são muito poucos os dados que se puderam retirar de indivíduos recém-nascidos, já que é complicado aceder sem perturbar os covis das fêmeas, totalmente desaconselhado para a realização deste tipo de trabalhos.
A sobrevivência dos cachorros comprova-se que está relacionada com abundância de alimento no território materno.
Mortalidade predispersiva - Lutas entre irmãos
Antes do início da criação em cativeiro, pode-se constatar pelos cientistas da EBD e posteriormente pelas equipas de conservação do lince da CMA, que existiu um segundo pico de mortalidade por volta dos três meses de idade. Quando se obtiveram as primeiras ninhadas no âmbito do programa conservação ex-situ, observa-se que por volta dos três meses de idade os cachorros desenvolvem uma agressividade extrema nas brincadeiras com os seus irmãos, que podem chegar a ser mortais. As mães têm um papel determinante na hora de separar as suas crias. Em cativeiro, a mãe está sempre muito próxima das crias, o que em estado selvagem se pressupõe que tal não pode acontecer.
É muito provável que a ausência da mãe em busca de alimento proporcione lutas excessivamente agressivas entre irmãos provocando a morte de alguns indivíduos. No caso do lince “Cromo” verificaram- se sinais de lutas com a idade de cerca de três meses na fase de maior agressividade das crias e que posteriormente foi integrado no programa de criação e cativeiro.
Luta específica por territórios
Em algumas situações, a disputa de linces perante os adultos residentes é a única maneira escolhida por alguns linces dispersantes para conquistarem um território próprio. É na época do cio que acontecem o maior número de disputas de fêmeas por machos provocando a morte de alguns. Não é muito habitual já que a ocupação do território através da marcação com urina e excrementos dos linces dominantes permite conhecer a ocupação de um território mantendo a fronteia entre eles. No entanto, áreas sem dominância em habitat adequado podem levar a situações de agressividade extrema.
Dispersões senis e morte por velhice
Nos últimos anos e graças ao elevado número de linces radio-equipados ao abrigo do projeto Life-Lince da CMA, assistiu-se à dispersão de vários exemplares (com cerca dos nove anos), que após permanecerem toda a fase reprodutora no mesmo território, são expulsos e transferidos para zonas sub-ótimas efetuando para tal grandes movimentos de dispersão. Este abandono do território, quando o animal não estava monitorizado, considerava-se que se devia à sua morte natural, mas são já vários os casos de exemplares que graças à telemetria se constatou, tanto em Doñana (Roxa, Dele, Mata, Viciosa) como em Serra Morena (Nuria, Flaca, Casandra) que realizaram dispersões de várias distâncias, permanecendo vivos vários meses ou anos noutros territórios. Tem-se mantido um rigoroso controlo destes indivíduos para constatar a existência de possíveis partos nesta fase senil, e compreender-se melhor o valor que podem representar na criação de novos territórios e fixação de outros indivíduos à sua volta.
As mortes por velhice, na fauna silvestre acontecem por desgaste do organismo, com alguma patologia associada a baixa capacidade de resposta do sistema imunitário ou por doenças degenerativas. No caso do lince ibérico a poucas certezas relativamente a mortes provocadas por estas tipologias, já que é difícil encontrar os cadáveres que não se encontram radio-equipados. Sem dúvida, a boa notícia é que cada vez mais se encontram indivíduos com idades entre os oito e dez anos, o que sugere uma diminuição da mortalidade da população em geral e da população adulta em particular, que permite a reprodução da espécie.
Sinais da presença do lince ibérico
Latrina de lince ibérico | Pegada de lince ibérico |
Além destes sinais indiretos da presença de lince, os linces ibéricos são dos carnívoros mais facilmente observáveis no meio natural. Têm bastante atividade diurna se a temperatura não estiver muito alta, e além disso a sua nobreza permite que não sejam demasiado desconfiados. Quando um lince se fixa numa área, além de se encontrar muitos rastos e latrinas, proporciona observações por parte da população local com bastante periodicidade.
Os exemplares dispersos (tanto juvenis como idosos) podem passar mais despercebidos, pois no seu percurso (que pode chegar a ser de 25 km por dia), não formam latrinas nem outros sistemas de marcação. A aparição esporádica de excrementos isolados corresponderá mais à passagem de exemplares em dispersão do que à presença real de exemplares estabelecidos.
A presença do lince numa área é fácil de detetar. Os linces ibéricos utilizam sistemas de marcação do território baseados principalmente na sinalização com urina e fezes, alguns dos quais bastante característicos. Mesmo que as marcas de urina não sejam detetáveis, o lince ibérico forma múltiplas latrinas de sinalização nos seus territórios que servem de aviso aos outros indivíduos da mesma espécie, da propriedade dos mesmos. Estas latrinas são facilmente detetáveis pela sua abundância. O tamanho das latrinas é variável, mas parece aumentar em áreas de sobreposição de territórios de vários indivíduos. Encontram-se facilmente latrinas mesmo que numa área só se encontre um lince fixado. Alem disto, as pegadas de lince, características de um animal felino, são facilmente identificáveis em substratos adequados.
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